
No Dia do Professor, celebrado em 15 de outubro, as homenagens e flores dão lugar a uma discussão mais profunda: a necessidade de reconhecimento efetivo e legal dos profissionais da educação pública. Para a advogada Mylena Leite, especialista em causas que envolvem servidores públicos, a valorização dos professores só será verdadeira quando vier acompanhada da plena aplicação da legislação que os protege e ampara.
“A data é simbólica, mas orienta uma crítica concreta: homenagens não bastam enquanto direitos não forem assegurados. Para o professor público, é preciso reconhecimento institucional baseado na lei e em sua efetividade”, afirma a advogada.
Os dados reforçam o alerta. Segundo o Censo Escolar 2023, o Brasil possui mais de 2,3 milhões de professores na educação básica, dos quais cerca de 1,8 milhão atuam na rede pública. Desses, 37 mil estão vinculados à esfera federal, 668 mil aos estados e 1,25 milhão aos municípios.
Diferença salarial e precarização
Apesar da importância social da profissão, os números mostram que a desvalorização salarial permanece. De acordo com o Anuário da Educação Básica 2024, em 2023 o rendimento médio dos professores com ensino superior na rede pública foi de R$ 4.942, apenas 86% do que ganham outros profissionais com o mesmo nível de escolaridade (R$ 5.747). A remuneração média praticamente não evoluiu nos últimos anos: nas redes estaduais, o valor foi de R$ 4.947 em 2020; nas municipais, R$ 4.897 — números que se mantêm abaixo da média nacional e distantes do que seria considerado justo diante da carga de trabalho e da responsabilidade do magistério.
A precarização também é visível no aumento de contratos temporários. Dados do Inep mostram que, entre 2014 e 2023, o percentual de docentes contratados temporariamente nas redes estaduais saltou de 31,6% para 52%, enquanto nas municipais subiu de 26,6% para 34,2%. Isso significa que uma grande parcela dos educadores não tem estabilidade, um dos pilares da carreira pública.
Reconhecimento social e saúde emocional
A falta de valorização vai além do aspecto financeiro. De acordo com o Instituto Península, apenas 36% dos brasileiros acreditam que a carreira docente é valorizada. Entre os próprios professores, esse índice cai para 18%. A contradição é evidente: 98% da população reconhece que bons professores transformam vidas, mas 72% admitem que a profissão é pouco valorizada em relação a outras, como medicina ou engenharia.
Essa percepção impacta diretamente o bem-estar dos profissionais. Uma pesquisa nacional revelou que oito em cada dez professores já pensaram em deixar a profissão, motivados pela sobrecarga, baixos salários e falta de reconhecimento. Se nada for feito, o país pode enfrentar até 2040 um déficit superior a 235 mil professores, segundo projeção da Universidade de São Paulo (USP).
Caminho pela valorização jurídica
Para a advogada Mylena Leite, a legislação é a principal aliada na busca por valorização real. Ela lembra que os professores do serviço público têm direitos previstos em regimes jurídicos próprios, como estabilidade funcional, progressões na carreira, aposentadoria especial, planos de cargos e salários e respeito à jornada de trabalho. No entanto, muitos desses direitos são ignorados por administrações públicas.
“O professor precisa estar amparado por regras claras e respeitadas. É inaceitável que ainda hoje existam municípios que não cumprem o piso nacional do magistério ou que desrespeitam direitos básicos como licenças e progressões”, critica a advogada.
A especialista defende que o respeito à lei é o primeiro passo para a verdadeira valorização docente. É preciso que os professores conheçam seus direitos, tenham acesso a apoio jurídico e que os gestores sejam responsabilizados por descumprimentos.
“A valorização começa com o respeito à lei. Se os gestores públicos não forem responsabilizados por descumprimentos, seguiremos apenas no campo das homenagens, sem mudanças reais”, conclui a advogada.